domingo, 7 de maio de 2017

Capítulo 4: Formigas

Já brincou com formigas?
Eu já, hahaha
Sabe quando você separa uma das outras? Ela fica desorientada, correndo para todas as direções possíveis, procurando as formigas da sua mesma espécie, nenhuma outra espécie serve, tem que ser formigas iguais a ela.
Talvez humanos não sejam diferente nesse ponto de vista.
Bem, nesse momento da minha vida eu estava entrando na puberdade, hormônios a flor da pele, sexualidade vindo a tona, bullying no colégio continuando, família perto mas ao mesmo tempo longe, sensação de deslocamento e solidão me acompanhando aonde quer que eu vá.
Não existia a possibilidade de fugir de tudo, apesar de existir a vontade de fazer isso... Mas a vista dos outros, estava tudo perfeito, então porque fugir de algo perfeito não é mesmo?
Então eu me isolei, me trancava no quarto durante o dia inteiro, desenhando, ouvindo musica, usando computador, tirando fotos com a maquina fotográfica...
Aquele era meu porto seguro, ali ninguém poderia me ver, me tocar, me fazer qualquer tipo de mal. A princípio esse é o lado bom de se ter um porto seguro, mas o lado ruim é que o resto do planeta se torna desconfortante e torturante.
Daí em diante conversei cada vez menos com meus avós com quem morava, me distanciei dos poucos amigo que tinha e criei novas amizades na internet.Contato com meus pais? Apenas por telefone.
Isso nunca me afetou emocionalmente, mas talvez subconsciente sim. Todos os meus laços afetivos se tornaram virtuais, Filmes e livros se tornaram minha vida.
Eu comecei a sonhar com os filmes que eu assistia, conseguia me imaginar vividamente todas aquelas fantasias dignas de Hollywood, criava cenas na minha mente, dialogos incriveis e movimentos audáciosos que eu jamais faria na vida real.
Eu conseguia me fazer feliz ali, mesmo sabendo que nada daquilo era real, bem... Pelo menos naquele momento eu sabia que não era...
Eu me isolei muito e as minhas fantasias me fizeram acreditar que eu era uma pessoa incrível, que conseguiria tudo que eu quisesse. Foi então que resolvi reencontrar um amigo que não via a muito tempo para viver algo que fosse "real".
Sair de casa sempre foi um problema, mas naquele momento eu estava tão seguro de mim que isso foi bem simples... Vesti uma roupa bacana e fui até a sorveteria, quando cheguei lá, meu amigo estava tomando sorvete e conversando no celular com uma conhecida dele...
Eu entrei, me servi e sentei a mesa com ele...
Ele terminou a conversa no celular, conversamos sobre meu atraso e logo viajamos por assuntos fúteis até em algum contexto que eu não me lembro agora surgiu uma pergunta extremamente pessoal, do qual eu não tinha a resposta pronta
-Você é gay?
Meu rosto ficou pálido por fora, mas quente por dentro. A segurança que eu acreditava ter tomou conta de mim e minha resposta fluiu como se fosse uma verdade absoluta:
-sim.
Provavelmente você se assustou com essa minha resposta, pois até agora eu jamais disse algo que denunciasse isso em mim, assim como eu também me assustei com a pergunta feita pelo amigo, assim como ele também se assustou com a respostar pois não esperava algo tão exposto como foi.
Hoje eu sei, o quão importante foi aquele dia pra mim. Eu estava tentando retomar o controle da minha vida naquele instante, eu sai de casa para provar pra mim mesmo que me conhecia, que eu enfrentaria tudo e todos que me afrontasse, queria fazer as coisas acontecerem de verdade e não mais trancado no meu quarto imaginando como seria a reação de alguém ao informar minha sexualidade.
Até então nem eu sabia ao certo se era gay ou não, disse que era pois queria confrotá-lo.
Ele se mostrou indignado na sorveteria, mas conforme o tempo passou ele também se assumiu, assim como outros amigos que tínhamos em comum também se revelaram.
Formamos um grupo pequeno com poucos homens e algumas meninas, nos reuníamos em praças e portas de baladas, era ótimo estar com eles, mesmo que seja para não fazer nada.
As vezes deitávamos no gramado a noite, um encima do outro e conversávamos por horas sobre coisas variadas sem compromisso com sentido, apenas tentando alegrar uns aos outros e explorar nossas curiosidades sobre qualquer assunto que viesse.
Finalmente eu era uma formiga ali, não porque eu estava na grama, mas porque eu achei pessoas da minha espécie, pessoas loucas, pessoas que não tinham vergonha em andar descalço porque o salto estava apertado, vergonha de passar gloss na boca mesmo sendo homem ou até mesmo vergonha de contar segredos constrangedores.
Assuntos como masturbação e amor eram tratados como assuntos normais assim como aquecimento global e cinema dinamarquês, algo que em toda minha vida, eu jamais havia conversado com ninguém sobre.
Finalmente achei as formigas da minha espécie, mas assim como encontrei eles, nós também fomos encontrados.
E até hoje ainda consigo sentir o gosto do veneno usado para me separar.
As brigas, os gritos, os tapas que eu levarei em seguida vao destruir toda a minha confiança construída até então no meu porto seguro.
Mas de repente, voltar para o quarto depois daquela noite fantástica de um mundo que existe e eu nunca tive conhecimento da existencia, os dialogos e ações que eu imaginava na minha mente não me satisfazia mais.
Tudo que eu conseguia imaginar eram coisas que eu gostaria de fazer nos próximos encontros...
Encontros que estavam com os dias contados.

Um comentário:

  1. Pensa em suicídio? vá em frente, mas antes, tente fazer isso - roube chocolate no wallmart, prove sorvete de tangerina, dirija à 220 km por hora em uma rodovia, grite o mais alto que puder dentro de um túnel, zere Sonic, Pacman e Super Mario, almoce com um policial, pule de bang-jump, escale uma montanha, leia trinta livros, vá ao show da sua banda favorita, faça uma tatuagem, apaixone pessoas que você não vai amar até descobrir que na brincadeira se apaixonou mesmo, aprenda a tocar um instrumento, escreva uma poesia, visite um parente distante e finja que as conversas da família te interessam, segure o ar por dois minutos sem soltar (não morra tentando essa parte), escreva seu texto favorito nas paredes do seu quarto, beba até vomitar, chore em um lugar público pra ver se alguém irá te consolar, piche uma frase de efeito em um muro, coma até não aguentar mais, ande de bicicleta sem as mãos, encoste a língua no nariz, cante no ventilador, abrace um mendigo, invoque satã com um tabuleiro de ouija e fique com o cu na mão. Depois de tentar tudo isso, faça o que achar melhor, que a vida é uma merda ninguém pode negar, mas algumas loucuras tornam tudo mais suportável.

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